A literatura movediça de Kazuo Ishiguro
Por Juliana Cunha
Na tarde em que ganhou o Nobel, Kazuo Ishiguro disse aos jornalistas reunidos em sua casa, em Londres, o mesmo que tantos outros laureados antes dele: que não esperava o prêmio. Apresentou, no entanto, uma evidência irretorquível: se tivesse alguma esperança, teria ao menos lavado o cabelo pela manhã. Para seus leitores, é mais fácil imaginá-lo impecavelmente asseado e vestido, de sapatos e tudo, mesmo se o surpreendermos em seu quarto logo após o amanhecer de um dia qualquer. A prosa concisa e controlada, a narrativa que leva o leitor na rédea curta e uma linguagem que nunca se pretende casual fazem pensar em um sujeito disciplinado como seus personagens.
Aos 62 anos, Ishiguro é um dos autores contemporâneos mais prestigiados do Reino Unido. Obteve reconhecimento tão logo iniciou sua carreira literária, em 1981. Seus dois primeiros romances, Uma Pálida Visão dos Montes (1982) e Um Artista do Mundo Flutuante (1986), receberam bastante atenção da crítica e alguns prêmios de certa importância. Mas foi com o terceiro — Os Vestígios do Dia (1989) — que Ishiguro se consagrou precocemente. Aos 34 anos, tornou-se um escritor aclamado pela crítica (venceu o Man Booker Prize, um dos mais prestigiosos da língua inglesa) e amado pelo público (o romance vendeu mais de um milhão de cópias na Inglaterra). O livro foi adaptado para o rádio, teatro e cinema — o filme homônimo, estrelado por Anthony Hopkins, foi indicado a oito Oscars em 1993, incluindo o de melhor roteiro adaptado. Seguiram-se outros prêmios, mais cinco livros, traduções para quarenta línguas, roteiros de cinema e até canções de jazz.
Nascido em Nagasaki, no Japão, nove anos após a queda da bomba atômica que devastou a cidade, Ishiguro é filho do oceanógrafo Shizuo Ishiguro e da dona de casa Shizuko Michida, ambos japoneses, e tem duas irmãs: uma mais velha, Fumiko, nascida no Japão, e outra mais nova, Yoko, nascida na Inglaterra. A família se mudou para o Reino Unido em 1960, graças a um convite para que o pai trabalhasse no Instituto Nacional de Oceanografia em Guildford, no condado de Surrey. Lá, Ishiguro frequentou escolas particulares e teve uma infância que descreve como típica da classe média do sul da Inglaterra, ainda que em casa se falasse japonês e que durante os primeiros anos da escola não avistasse qualquer outro rosto que não fosse britânico. Segundo Ishiguro, o caráter provisório da mudança só foi revisto pela família em 1969, quando seu pai recusou um convite para lecionar na Universidade de Tokyo. Antes disso, o escritor afirma que eles não se enxergavam como imigrantes nem como ingleses, mas como japoneses sempre prestes a partir. Familiares mandavam livros didáticos para que as crianças não tivessem problemas no retorno. Apesar disso, Ishiguro afirma que domina muito mal o idioma, tendo “o japonês de uma criança de cinco anos”…
Fonte: vermelho.org.br